Mais de 20 dias sem a Polícia Militar nas ruas, centenas de assassinatos, assaltos… clima que se sobrepõe à guerra: pois não havia reação à altura. Obviamente, a lei que proíbe greve de agentes públicos nos postos de segurança prevê esta vulnerabilidade coletiva diante da morte. E o estado do Espírito Santo sofreu esta realidade em 2017.
O debate atual é sobre a anistia concedida aos quase três mil policiais militares que foram punidos após serem identificados por além do movimento paredista que tinha as esposas como ‘muros de concreto’ impedindo a saída das viaturas frente aos portões dos batalhões do estado.
A anistia, como divulgado por toda a imprensa do Brasil, foi de iniciativa do atual governador Renato Casagrande (PSB), que, inclusive, afirmou ser este um compromisso firmado ainda durante sua campanha política-eleitoral. Lembro que, neste mesmo período cândido, o socialista esteve em Cachoeiro e, durante entrevista à imprensa local, ele afirmou que o ‘perdão’ seria concedido após avaliação individual dos casos. Não foi.
Não me atrevo a entrar no mérito da anistia, principalmente, em abordagem ampla – por não ter know-how na área. No entanto, não apenas pelo ‘faro’ jornalístico; mas, naturalmente, pela ‘religiosidade humana’, estou convicto de que as pessoas que, até hoje, não conseguiram reabrir as suas empresas (e pagando dívidas de produtos que lhe foram furtados) ou que tiveram entes queridos assassinados por falta do poder de inibição da presença policial podem discorrer, com riqueza de detalhes – e legitimidade -, sobre o assunto.
Além disso, há outra ótica. Duvido que cidadãos em sã consciência sejam contra a valorização da polícia, que empresta a coragem e a vida em defesa do coletivo. Ao mesmo tempo, seria fácil concordar com uma ‘estratégia’ que ‘joga à cova’ sonhos e vidas para conquistar um reconhecimento salarial que a maioria da base da pirâmide social também não tem?
Casagrande levantou o ponto de que o efetivo policial está doente psicologicamente. Não desacredito que outros profissionais, de outras áreas, também não estejam. Até no ‘mundo’ privado. Na verdade, sempre entendi que vivemos em uma sociedade “doente”, com ‘loucos’ apontando o anormal a partir das próprias anomalias.
Há outra questão, que escrevi durante o período de caos, que trata do seguinte: para os cidadãos capixabas lesados não importa a ‘troca de acusações’ entre militares e governo por ter sido o Estado, em sua unidade, que faltou com a sua participação de ofertar segurança diante dos impostos pagos. Ou seja, ainda não compreendo como não houve o debate sobre indenizações e ressarcimentos às pessoas vitimadas por um ‘serviço’ pago e não prestado.
A afirmação do atual governador de ter firmado o compromisso da anistia foi sobre qual alicerce? Da lei? Desta, não há como – pois a ‘letra fria’ é contrária. Da psicologia? Caso fosse, não haveria o porquê de tratar quem ‘supostamente’ infringiu a lei. Da compreensão da pauta? Aí, teria que atendê-la com o reajuste salarial – só que isso foi retirado de cogitação na campanha eleitoral do próprio Casagrande.
Ora? Se o anseio dos PMs, que chegou a custar a vida de capixabas e o fechamento de postos de emprego, era declaradamente a questão salarial, qual foi, de fato, o compromisso firmado? Sem enxergar outra opção, alguém pode imaginar que o futuro perdão pela greve, constitucionalmente ilegal, viria a justificar os meios.
E isso pode acabar se afirmando caso os policiais, que continuam com remuneração ‘indigna’, não mantiverem a pauta a partir do diálogo que desejavam e alegaram não ter. Espero que tenham tudo que mereçam; sem nos deixar, novamente, à mercê da proteção que pagamos através de árduos impostos.