Em meio às comemorações de mais um Dia Internacional da Mulher, nem tudo são flores! Os crimes contra elas ainda são constantes, e o pior: apesar da rígida legislação existente – que carece de ajustes – ainda falta o Estado cumprir com suas obrigações legais para que a denúncia não se torne motivo para uma nova violência. Isso é o que afirma a advogada criminalista Fayda Belo, de Cachoeiro de Itapemirim.
“Os números cruéis clamam por reforço na lei. Atualmente, o homem que bateu na mulher pode pegar de três meses a três anos de prisão. Porém, abaixo de quatro anos de pena, não há regime fechado. Ou seja, na prática o agressor não fica preso – essa é a verdade”, disse.
A mesma regra é aplicada para ameaças, cuja detenção vai de um a seis meses. “Nos casos de danos psicológicos, moral e patrimonial, por exemplo, nem pena há na legislação. Tive uma cliente que foi vítima de golpe de machado na cabeça e por sorte não morreu. Ela pediu para que o marido que a agrediu não fosse preso, pois ela não teria o que comer em casa. Uma triste realidade! Um dano à moral e autoestima dessas mulheres”, afirma Dra. Fayda Belo.
Além das alterações na lei, como penas superiores a quatro anos no intuito de garantir a prisão do criminoso, Fayda afirma que o Estado é falho. “O poder público não ampara as vítimas, que tem a garantia legal do atendimento policial e pericial. Nestas ocorrências, a autoridade policial deve oferecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo e local seguro. No entanto, não temos, no sul do estado, abrigo e não há plantão na Delegacia da Mulher nos fins de semana. Para onde essa vítima vai? Quem garante a sua vida?”.
A advogada relatou outro caso de cliente que foi estuprada e só conseguiu registrar o crime após a sua intervenção, depois de um mês procurando os órgãos de segurança. “Acredito que a Delegacia da Mulher tem que ter profissionais mulheres. Já houve casos de uma vítima relatar crime de dano psicológico e um atendente dizer que ali não era o local para aquela queixa”, revela.
Medida protetiva
Depois de 20 anos apanhando do marido, a mulher decide sair de casa com os filhos. O ex-marido a procurava, encontrava e a agredia – o que ocorreu repetidas vezes, em novos endereços, sempre depois que ele conseguia o alvará de soltura. Com medida protetiva, a vítima estava em um bar e o ex-companheiro chegou, disparando agressões verbais. Com medo, ela ligou para a polícia, que, apesar da medida protetiva, apenas pediu para que o agressor fosse embora.
“Quando ela chegou em casa, ele apareceu tentando quebrar o portão. A vítima jogou álcool e tacou fogo – resultado: ele morreu e ela foi presa. Na audiência, o promotor afirmou que mulher que vai em bar “não se dá o respeito”. Falei que eu também frequentava bar e que aquela ‘regra’ não se aplica em nenhuma situação. A mulher, ora presa, era a verdadeira vítima e quem deveria estar como réu, algemado, era o Estado, que não lhe garantiu proteção. Ela foi absolvida”.
Botão do Pânico
Na avaliação da advogada Fayda Belo, o botão do pânico também é falho pelo tempo de resposta das autoridades policiais – até porque quando o agressor se aproxima já é com o objetivo de praticar o crime.
“Acionar o 181 aqui em Cachoeiro, por exemplo, é pior ainda. Ao tentar fazer a denúncia, a ligação cai em Vitória: até responder todo o questionário de identificação ou a mulher morreu ou o agressor já está longe”.
Ela reforça que é necessário haver equipe multidisciplinar para acompanhar as mulheres vítimas de violência. Com assistente social, psicólogo, médico e advogados é possível descobrir, por exemplo, o porquê da vítima retirar a denúncia: medo, ameaça, vergonha.
“De qualquer forma, é melhor denunciar do que ligarem avisando de sua morte. O Estado tem que cumprir a lei e, por outro lado, precisamos que a mulher entenda que apanhar não é normal; ela merece respeito físico, moral e psicológico. O homem não está acima do sexo oposto, como disse Kant e Jean-Jacques Rousseau”, conclui.
Números
Em 2011, a pesquisa Data Senado trouxe que 63% das entrevistadas responderam que as mulheres que sofrem agressão denuncia o fato às autoridades na minoria das vezes; 27%, que não denunciam; 8%, que denunciam na maioria das vezes.
Em 2013, levantamento feito pelo Instituto Patrícia Galvão e o Data Popular, encomendado pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, do governo federal, apontou que 66% das mulheres vítimas de agressão têm vergonha que as pessoas saibam, principalmente quando são de classes mais altas. Em 2017, o Data Senado trouxe o mesmo percentual de 27% das vítimas que ainda não fazem nada em relação ao autor da agressão.