Lá se vão uns 20 anos. Frequentávamos a praça Jerônimo Monteiro. Uma árvore ostentosa fazia sombra ao artesanato de Uruba e demais artistas, e também estendia galhos sobre a pequena banca de Helinho, que gravava na hora o nome de seus clientes nas pulseiras que vendia.
Lembro-me bem que, na época, Belinho também se aventurava a ler as mãos da pessoa – gostava muito de falar da personalidade e anseios alheios ao ver os traços da palma da mão. Já vi gente chorar ao ouví-lo, devido à tamanha sensibilidade de Sampaio.
O assunto principal era música. Histórias de suas participações em festivais, inclusive o de Alegre; suas composições; quando abriu a porta de casa – no Independência – para Raul Seixas, que acabara de chegar a Cachoeiro atrás de seu irmão Sérgio Sampaio; as músicas inéditas de seu irmão e também o desejo e as projeções de Sérgio em ter uma canção gravada por Roberto Carlos.
Neste episódio do Raul Seixas, sua mãe teria dito, segundo ele, sem, até então, ter ideia de quem se tratava: “Vou ter que colocar mais água no feijão. Mais um amigo maluco do Sérgio chegando!”.
Nos fins de semana, à noite, já tínhamos um combinado: tomar a saideira no posto Oásis – um encontro quase que religioso. E mais música na conversa.
Quando comprei um violão Di Giorgio, com cordas de nylon, fui direto para a praça ao sair da Carneiro. Helinho começou a bater forte nas cordas. Antes que meus nervos estourassem de agonia, ele explicara que aquilo era necessário para dilatar as cordas.
Depois, outro momento inusitado: Helinho pediu para eu morder a extremidade do braço do violão, enquanto ele tocava uma corda e dizia o nome da nota. A arcada dentária mordia o cérebro e deixava nele a marca daquele acorde. Meu amigo era um gênio.
Abandonou de vez o álcool e passou a se dedicar ao seu maior talento: a música. Presenteou Cachoeiro e o Brasil com suas apresentações. Nunca esquecerei de um show da Amélia, no teatro Rubem Braga, onde Helinho não conteve a emoção das músicas de Sérgio naquela voz angelical e fez ecoar um sincero palavrão naquele recinto cultural.
Depois de fazer a última repaginação do meu site, o Em Off Notícias, ele aceitou ser colunista e escreveu alguns textos. Compartilho agora o que ele discorreu sobre Raul Sampaio.
Texto de Hélio Sampaio
A gente se via com certa frequência. Pelo celular, ele me mantinha informado sobre suas apresentações. Na última vez que nos vimos, há poucas semanas, ele se mostrou feliz com as dezenas de alunos que tinha em suas aulas de violão. Prometia voltar a escrever… talvez, um dia eu volte a cobrá-lo, assim que eu também embarcar nesse trem que ele viajou.
Abaixo, segue Helinho cantando ‘Viajei de trem’, de autoria de Sérgio Sampaio.