“Incita o preconceito religioso e coloca os cristãos contra o povo de terreiro”. Este é o entendimento de umbandistas e candomblecistas diante do projeto de lei, de autoria do vereador Ary Correa (Patriota), que obriga a leitura da Bíblia nas escolas de Cachoeiro de Itapemirim. A matéria gerou manifesto (entregue na Câmara Municipal), que pode ser lido na íntegra no final deste texto.
“Não somos contra ninguém e muito menos a outra religião. Só exigimos o direito de exercer a nossa fé sem que nos empurre goela a baixo a fé alheia. Não estamos nos levantando contra os cristãos, pois não somos intolerantes. Só que esse projeto fere a Constituição onde diz claramente que o estado é laico. E fere também as minorias religiosas no nosso direito de exercer a nossa fé”, disse Léo Diniz Dofono D’ Ógún, que é líder do Centro Umbandista São Jorge Guerreiro Imaculada Conceição, com 90 anos de fundação; pertencente ao Ilê Axé Obairá e filho do pai de santo Amarildo Costa.
“Querem obrigar nossos filhos a ouvirem a bíblia e sua interpretações. Deve se levar em consideração também que a maioria da bancada que apoia o projeto de lei é evangélica e pode também ferir o direito dos católicos, pois sabemos que há “duas” bíblias: a evangélica e a católica”.
Para Léo, a escola deve ser um lugar neutro. “Escola deve ensinar a ‘somar, subtrair, ler e interpretar’. Quem quer aprender sobre a bíblia vai a uma igreja cristã; quem quer aprender Candomblé ou Umbanda vai ao terreiro. Seria um grande retrocesso passar um PL como esse na Câmara de nosso município”, avaliou.
“Será que se fôssemos pedir para que lessem o Alcorão, livros Kardecistas, Budistas ou Cultos Africanos seriam bem aceito? Mesmo sabendo que, se por ventura, esse projeto seja aprovado não irá pra frente, não podemos nos calar”.
Justificativa do projeto
“Tem a finalidade de enriquecer o conhecimento dos alunos e resgatar os valores da família, respeito ao próximo e os ensinamentos da sagrada escritura, pois a sabedoria norteia as atitudes humanas. A leitura bíblica proporciona aos alunos fundamentos históricos e sua iniciativa não se contrapõe ao Estado Laico”, justifica o vereador Ary Correa no corpo do projeto de lei.
Leia abaixo a íntegra do manifesto do ‘Povo se terreiro’ (Candomblé e Umbanda):
As partes infra-subscritas se servem do presente documento para manifestar seu direito, porém respeitoso, descontentamento com o Projeto de Lei – PL de autoria do Exmo. Sr. Vereador Ary Corrêa que propõe a leitura da bíblia nas escolas públicas e privadas no âmbito municipal (além de trazer outras providências) de Cachoeiro de Itapemirim – ES.
Embora o PL seja, notoriamente, dotado de dever cívico, sentimento cristão e boas intenções, é PL que excluirá da ministração aos nossos jovens outras crenças.
Seria crível imaginarmos que muitas crianças e jovens matriculadas nas escolas municipais seguem outras crenças que não têm por base a doutrina cristã ou a doutrina pregada pela bíblia – por exemplo a judaica, o islamismo, a umbanda, o candomblé etc.
PL que imponha a leitura da bíblia a essas crianças e jovens seria uma intervenção estatal indevida nos lares que não pregam a doutrina cristã.
Portanto, com esteio na laicidade do Estado brasileiro, a intervenção prejudicial no seio de determinados núcleos familiares e a discriminação a certas crenças de origem não cristã é que se confecciona o presente manifesto.