Um deputado pode participar da inauguração de uma obra privada no período eleitoral? As emendas parlamentares que transferem recursos públicos para o terceiro setor podem ser executadas nesse período? E os pronunciamentos, o que pode e o que não deve ser dito na tribuna da Assembleia Legislativa (Ales)?
Para orientar servidores e parlamentares quanto às regras de conduta nesses três meses que antecedem as eleições de outubro, a Procuradoria-Geral da Ales lançou uma cartilha, buscando dirimir as principais dúvidas sobre o tema.
Cartilha “Condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais”
Um dos autores da publicação é o diretor da Procuradoria, Vinícius Oliveira Gomes Lima. O advogado explica que o conceito básico que deve ser observado é o de que o político que exerce mandato não deve obter nenhum tipo de vantagem sobre os demais candidatos. “O parlamentar que é candidato tem de se colocar em igualdade ao outro candidato que não tem mandato”, pontua.
Principais infrações
O especialista explica que as infrações mais comuns no período eleitoral, iniciado no último dia 1º, estão ligadas ao uso da máquina pública para obter vantagens. Até mesmo o uso de celulares e carros corporativos deve ser observado com cautela. O bem público só deve ser utilizado, alerta ele, a serviço do mandato, a serviço da sociedade:
“Durante esses 90 dias da campanha ele não poderia fazer uso do celular institucional para pedir voto, por exemplo. Ele pode usar para exercer o mandato dele. O carro também não pode ser usado para campanha, ele não pode, por exemplo, pegar o carro e ir fazer campanha em um município”, esclarece.
Pronunciamentos parlamentares
Outro tema que desperta muita dúvida são os pronunciamentos parlamentares. Em períodos eleitorais e pré-eleitorais existem critérios que devem ser observados pelos candidatos que estão exercendo mandato. “O que pode é a prestação de contas restrita ao mandato parlamentar. Ele não pode, durante a fala dele, pedir voto. O parlamentar não perde o direito de crítica. Falar bem ou mal do atual governo não é pedir voto, por exemplo”, avalia.
“Mas é sempre bom ter cuidado, a Justiça Eleitoral é muito casuística, ela pega muito caso concreto. Se ela achar que o parlamentar exacerbou do seu poder, abusou do seu poder, é aberta uma investigação. Se ela for procedente, será aberta uma ação judicial e esse caso concreto será julgado. A gente tem o mandamento da lei, a vedação, mas é um mandamento cru. Por isso eu digo que é uma Justiça casuística, tudo é analisado caso a caso”, complementa.
Inaugurações
Outra dúvida recorrente é a presença de candidatos em inaugurações de obras. Segundo o procurador, essa conduta não é permitida nos empreendimentos públicos nos 90 dias precedentes ao pleito. O mesmo não é observado na legislação para o caso de obras privadas.
“O TSE entende que participar da inauguração de obra privada não configura a irregularidade que é prevista na lei”, explica. Porém, o advogado ressalva que mesmo condutas que não são vedadas devem ser realizadas com cautela, pois ainda assim podem ser enquadradas como abuso de poder, de acordo com a conduta de cada ente público.
Transferência de recursos
A transferência de recursos públicos para um terceiro setor também é vedada nesses 90 dias. Até mesmo a execução das emendas parlamentares em favor dessas instituições é proibida. “São aqueles recursos que têm uma destinação para um terceiro setor. A gente vê muito aqui, na Casa, declaração de utilidade pública, uma fundação, uma ONG, que recebe dinheiro de verba pública, nesse período fica proibido”, pontua.
Segundo turno
O procurador lembra que nas eleições majoritárias há sempre a possibilidade de segundo turno e, por isso, as regras seguem valendo nesse período. “Tem algumas restrições da lei que continuam até a posse e devem ser obedecidas mesmo depois do pleito”, salienta.
Fiscalização
O procurador lembra que a Justiça funciona em primeira instância com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e em segunda instância com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que são os responsáveis por julgar os casos e garantir a fiscalização das campanhas.
“Só que ela funciona de forma muito mais efetiva com o canal de denúncias, pois assim cada candidato é fiscal do outro. Se eu estou concorrendo e vejo que meu adversário cometeu alguma irregularidade, eu faço uma denúncia”, exemplifica.
O TSE, desde a última eleição, disponibilizou em seu portal o aplicativo “Pardal”, com o objetivo de receber e apurar as denúncias de abusos e irregularidades. Por meio desse aplicativo, qualquer cidadão pode fazer denúncias, encaminhando provas como vídeos e fotos com flagrantes de irregularidades, e os órgãos competentes irão avaliar a procedência das denúncias. “Se vier a ser confirmada, pode invalidar a candidatura”, afirma.
O diretor da Procuradoria da Ales citou casos recentes que foram julgados e terminaram com a cassação de vereadores eleitos no Espírito Santo por conta de uma apuração do TRE que constatou que a lei que estabelece um coeficiente mínimo de 30% de mulheres na Constituição de uma chapa foi desrespeitada por partidos no estado.
“Certos partidos colocaram mulheres apenas para completar o quórum, só que efetivamente elas não concorreram ao pleito, eram ‘candidatas fantasmas’. Por conta disso, já com quase dois anos de mandato parlamentar, perderam o mandato, por não obedecerem uma lei eleitoral”, cita.
A cartilha
Segundo o procurador, o compilado das regras eleitorais em forma de cartilha tem um objetivo preventivo e educativo para orientar parlamentares e servidores da Casa durante o período. “A essência dessa cartilha foi justamente tentar dar uma maior ênfase ao ato da Mesa, que já tinha sido publicado em abril, o Ato 2.197/2022, que é sempre publicado em períodos eleitorais”, afirmou.
“O objetivo é proteger a Mesa Diretora de possíveis abusos que podem ser cometidos e também como forma de orientação para os servidores da Casa, para os deputados”, diz.