Últimos dias para visitar a exposição ‘E eu, mulher preta?’ na Galeria Homero Massena

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“Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário.” Essa frase, da escritora e pesquisadora em antropologia Juliana Borges, sintetiza o espírito da exposição “E eu, mulher preta?”, que no dia 12 de agosto encerra sua temporada na Galeria Homero Massena, no Centro de Vitória.

A exposição foi inaugurada em 27 de maio e, até o momento, cerca de 2 mil pessoas já passaram pela galeria, visitando a mostra coletiva que reúne retratos de dez mulheres negras de Vitória, Ibiraçu e Alegre, pelos olhares das fotógrafas Ana Luzes, Luara Monteiro, Taynara Barreto e Thais Gobbo.

A partir de diferentes facetas de mulheres pretas, os trabalhos expostos na Galeria Homero Massena trazem à tona o movimento e a força, fomentando o debate acerca do empoderamento coletivo como estratégia de resistência, além de questões relacionadas à violência contra a mulher negra, entre outros temas de grande relevância social.

De acordo com a produtora cultural Marilene Pereira, idealizadora e uma das curadoras da exposição, o projeto tem entre seus propósitos criar maneiras de promover a união entre mulheres pretas, mobilizando-as contra toda forma de preconceito e contra a “nódoa colonizadora” que tenta invisibilizá-las.

“Nossa exposição se traduz em uma experiência positiva, com uma linguagem simples que envolveu emocionalmente as pessoas. Retratar mulheres como ‘estrelas’, com dignidade e empoderamento foi o ponto central. Optamos por não utilizar fotos que depreciam ou estigmatizam as mulheres negras, algo que muitos fotógrafos já fizeram. O que sempre idealizamos foi dar visibilidade às diversas potencialidades dessas mulheres que foram fotografadas”, diz Marilene Pereira.

Foto: Thais Gobbo

Personagens

Entre as dez personagens fotografadas para a exposição, está Marciane Pereira, que em 2018 foi vítima de tentativa de feminicídio – seu ex-companheiro ateou fogo nela, queimando mais de 40% de seu corpo. Em consequência, perdeu parte de sua perna esquerda. Hoje, Marciane Pereira está engajada na luta para que outras mulheres não sejam vítimas da violência doméstica.

“Quem diria que um dia eu estaria em uma exposição. Hoje, talvez, eu estivesse morta. Seria mais uma vítima da violência, como tantas outras. Fico arrepiada de me ver ao lado de tantas mulheres fortes, com histórias de vida incríveis. Essa exposição mostra que nós existimos e resistimos. Nós estamos aqui. E, independentemente do que aconteceu comigo, eu estou aqui”, afirma.

 

Marciane Pereira (Foto: Thais Gobbo)

 

Marciane Pereira conta que, no momento em que entrou na galeria, começou a olhar os retratos das outras mulheres e, então, deparou-se consigo mesma, sentiu-se profundamente emocionada. “Sou uma mulher forte e, independentemente da história de violência doméstica, sou também uma mulher negra, mãe, cidadã. Toda essa essência foi captada nos retratos. Podem tentar me machucar, maltratar, humilhar, desprezar, mas quando a gente nasce para brilhar nada derruba”, ressalta.

Ao todo, 20 retratos compõem “E eu, mulher preta?”, alternando-se entre cores vibrantes e a dramaticidade do preto e branco. O trabalho de curadoria foi dividido por Marilene Pereira e a fotógrafa Thais Gobbo – responsável também por retratar uma das dez personagens.

Em cada registro fotográfico da mostra, apresentam-se a afirmação da identidade negra, a conscientização e a desconstrução dos estereótipos, exaltando o poder da mulher preta engajada na luta por uma sociedade democrática e em busca de compreensão e autoafirmação.

Artistas

Criada no Morro do Quadro, em Vitória, aos 14 anos Ana Luzes começou a frequentar a Galeria Homero Massena. À época, ficou muito marcada pelo contato com a exposição “Tudo o que não invento é falso” (2016), de Rick Rodrigues – uma viagem sensível pelas memórias de infância do artista. Mais tarde, encantou-se por “Táticas de Graffiti e Não Graffiti”, exposição de Renato Ren que ocupou a galeria em 2017.

Desde então, Ana Luzes passou a alimentar o sonho de expor na Galeria Homero Massena. Oportunidade que surgiu com o convite para integrar o time de “E eu, mulher preta?”. Sonho, a propósito, que se realiza em dobro, pois a fotógrafa acaba de ser contemplada no edital de artes visuais da Secult com o projeto “Gênesis: a criação”, para estrear sua primeira mostra individual na mesma galeria.

Embora nunca tivesse entrado na Galeria Homero Massena, que conheceu no evento de abertura da exposição, Taynara Barreto traz no currículo conquistas importantes. Uma delas é ser a primeira mulher do Espírito Santo a ganhar o Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, com o projeto “A cidade se faz no caminho”, que visa à valorização do território urbano no interior do estado.

“Os espaços de arte ainda têm uma imagem elitizada e pouco representativa. Nós ouvimos falar desses espaços, sabemos da existência deles, mas nunca estamos lá. Acredito que ainda persiste uma enorme lacuna que dificulta alcançar a parcela da população que está nas periferias e fora da Grande Vitória”, afirma a fotógrafa.

Segundo ela, um comentário recorrente durante a abertura da exposição chamava atenção para o fato de que o público presente naquela ocasião não era o mesmo que geralmente frequenta a galeria. “Meu trabalho já percorreu o Brasil e diversas galerias de arte na América Latina, é a primeira vez que exponho no Espírito Santo desde que comecei a me dedicar exclusivamente à fotografia documental. Pensar em um trabalho para um espaço onde nunca estive nem me sentia pertencente foi desafiador. Ao mesmo tempo, é uma conquista importante, pois outras artistas negras podem se imaginar expondo nesse espaço também.”

 

Luara Monteiro, Taynara Barreto, Thais Gobbo e Ana Luzes

 

Ela observa que a exposição deu vez, voz e lugar para que artistas negras e mulheres negras possam ter visibilidade, para além da luta. “Somos muito mais que isso. Somos mais que um folhetim de notícias em que o corpo preto está sempre sofrendo. E revelamos todas essas camadas ao expor na Galeria Homero Massena. É um ato político, acima de tudo”, ressalta Taynara Barreto.

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