Já que irá investigar a transferência da concessão pública do serviço de saneamento básico da Odebrecht Ambiental para a BRK Ambiental, a prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim deveria ir mais a fundo.
Analisando de forma superficial, borbulham suspeitas de irregularidades – principalmente, por ter sido um processo que nunca ficou às claras – a alteração da responsabilidade do serviço do Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) para a Citágua, ou seja, a primeira concessão pública neste setor.
Reconheço que a criação da Agersa à época, fruto da pós-concessão, alçou não apenas uma sensação de fiscalização, como instituiu a primeira agência reguladora municipal do país – fato elogiado pelo mundo. No entanto, a ‘pulga gorda’ atrás da orelha surge da pré-concessão.
A prefeitura transferiu para a iniciativa privada a gerência dos trabalhos na área de saneamento através de uma cláusula perdida no corpo de um projeto de lei que tratava de outro assunto.
Pode até não ser, mas a impressão é de que o intuito era fazer a concessão ser aprovada de forma despercebida. Talvez fora isso, uma vez que o testículo ‘camuflado’ na propositura teve o aval da maioria dos edis sem maiores questionamentos, dos quais algo desta magnitude envolvendo a coisa pública exige – o que dirá de audiências públicas (?).
Na atual legislatura, há vereadores que tinham mandato durante este episódio. Como justificam? E mais: o proprietário da empresa (Grupo Águia Branca), que assinou contrato com a prefeitura, tinha relação de parentesco com o filho do prefeito da época.
A retroatividade da apuração, até chegar ao Saae, caberia à Câmara Municipal através desta Comissão Especial de Inquérito – a CEI da Odebrecht – que se pretende criar para investigar a mudança da Odebrecht para BRK Ambiental. Isso, somente se o que for averiguado revelar irregularidades anteriores – e se houver, por parte da comissão, a disposição de seguir os prováveis indícios do passado.
Neste caso, cai por terra o fútil argumento que irá investigar por não ter ‘rabo preso’ com fulano ou cicrano; um enfrentamento deste porte – sem desconsiderar que é atribuição do vereador – necessita de coragem, uma vez que há a possibilidade de levantar dúvidas e incongruências que podem refletir negativamente nos planos eleitorais da família Ferraço para 2018.
Voltando ao palácio, bastaria o prefeito pedir o documento à autarquia, entregar à Procuradoria Geral do Município e aguardar a resposta – compartilhando-a com a Câmara Municipal e com a população.
Já que criou a comissão, poderia também o governo apurar se houve legalidade na concessão que findou com o Saae, independentemente que, por ventura, isso atinja o deputado, que é parceiro da atual gestão. Afinal, o interesse público é soberano. Cachoeiro agradeceria a transparência deste processo, mesmo depois de décadas de escuridão.
Conflito
Não está descartado um conflito de entendimentos na condução dos trabalhos investigativos da prefeitura e da Casa de Leis – caso esta leve adiante a CEI da Odebrecht. Acontecendo, um dos dois poderes amargará o desgaste político.