O pedido de demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sobrepõe-se à sua nomeação e, até mesmo, à entrega da faixa presidencial a Jair Bolsonaro em janeiro de 2019. Isso, porque o duro e acusatório discurso de Moro nesta sexta-feira (24) expôs um presidente que ‘rasga contrato’ e que é o oposto da imagem construída para derrubar o PT nas eleições de 2018.
O ex-juiz federal fez denúncias graves, entre elas a intenção de Bolsonaro de ter acesso aos relatórios das investigações da Polícia Federal, de forma privilegiada. Daí, segundo Moro, a necessidade de fragilizar a autonomia da PF colocando em setores estratégicos pessoas ligadas ao presidente.
Além das palavras, há de se ler a postura do ex-ministro. Foi a público como se estivesse anunciando a exoneração de Bolsonaro. Revelou o acordo no qual o ainda presidente eleito lhe garantira ‘carta branca’ na nomeação e alteração na equipe e que, nesta semana, Bolsonaro descumprira.
Bolsonaro não lhe apresentou uma causa para demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Bolsonaro queria mexer politicamente no organograma da PF para proporcionar “relações impróprias” entre o diretor, superintendente e ele.
Bolsonaro quer ferir a autonomia da PF, como não foi feito por governos anteriores. Bolsonaro informou que “tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e que a troca seria oportuna por esse motivo”.
A firmeza de Moro é de alguém que tem muito mais a expor. Tanto que deixou no ar que teve uma série de divergências contra o presidente e que ela virá à tona em momento oportuno. A este editorialista, não soou como blefe – para isso, precisava-se de uma declaração mais amena e levemente irônica nesta sexta.
Como seriam essas “relações impróprias” e por que ele acredita que elas existiriam? Quais inquéritos em curso no STF que preocupam? Por que boicotar a Polícia Federal? Quais relatórios da PF são de grande interesse de Bolsonaro? São respostas que somente o Moro pode conceder.
A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde teve as suas razões claras, já que o confronto nas orientações diante da pandemia do coronavírus era intenso entre o ministro e Bolsonaro: a corda ia estourar. Mas, esta crise repentina com Moro é intrigante, visto que não é tempo de preocupação eleitoral e não houve desavenças públicas. O mistério aponta para dentro.
E não há dúvida que o ‘sangrar’ deste abril pode se tornar hemorrágico para Bolsonaro pelos próximos meses. Para isso, bastará somente uma reação às declarações de Moro com texto produzido por seus filhos, que têm influência considerável junto ao chefe da República.
Se um dia Sérgio Moro foi homogêneo ao governo, e cravou isso sob o heroísmo que lhe fora atribuído no combate à corrupção ao liderar a operação Lava Jato, fez-se, agora, de água diante do óleo que acabou de queimar.