Ao avaliar Jair Bolsonaro na presidência da República, é um erro grotesco desconsiderar o seu ‘perfil legislativo’ forjado ao longo de 30 anos.
No geral, é deixar um ambiente de caráter próximo ao ‘individualismo’ e de mudanças de posicionamentos regidos por interesses próprios ou partidários – sem lesões isentas de regeneração – para outro que só funciona coletivamente, até com grupos de DNAs distintos, e que exige discursos e ações cirúrgicas, sob o risco do mais cruel fracasso e extrema punição política e popular.
Pela história política brasileira, em todas as esferas, não é difícil suspeitar que o crime de estelionato eleitoral ‘passa batido’ pela vista grossa de quem deveria identificar. E isso permanece. Basta rever o discurso de campanha de Bolsonaro e os seus posicionamentos políticos de agora – principalmente neste 2021, que delimita o terceiro ano de mandato: crucial para quaisquer mandatários que almejam a reeleição.
O então candidato Bolsonaro – como milhares já fizeram, fazem e farão (certeza da impunidade) – entre outras propostas, afirmou que não construiria seu ministério com ‘tijolos’ políticos, manipulados a partir de conchavos para erguer a governabilidade. Essa, segundo ele, teria via o apoio popular.
Para um ‘marinheiro de primeira viagem’, seria perceptível a exposição ingênua de um sonho utópico diante de um sistema triturador, que não mostra suas afiadas hélices para quem nunca assumiu um mandato eletivo. Resumindo: ao longo de 30 anos, Bolsonaro, na Câmara dos Deputados, foi mais uma mão na ‘faca’ no peito de vários presidentes – junto com o ‘centrão’ – para ter os interesses atendidos em troca da governabilidade. Inclusive, já foi base do governo do PT.
É fato: ele sabia que a promessa era irrealizável para um presidente; da mesma forma como tinha a certeza que era propícia para se eleger – ainda mais com o atenuante de seu concorrente estar nocauteado pela corrupção.
O mais incrível – e por que não corajoso – é que Bolsonaro incorporou o personagem indestrutível; ao ponto de também definir como adversários/inimigos países de extrema representatividade no PIB brasileiro, os autores das recomendações mundiais de saúde no combate à Covid-19, os governadores, o STF e mais um ‘punhado’.
Não duvidem: o presidente sentiu o ‘vento da hélice do sistema’. Esqueceu (ou perdeu o ‘time’) que a ‘imunidade camikaze’ só ‘privilegia’ parlamentares e candidatos.
Ele pode não crer em determinados institutos; mas não descrê nas pesquisas de consumo interno. Ele não só sabia que prometeu o impossível na campanha, como acomodou o ‘centrão’ no governo.
Ele não só sabia que inflamava seus seguidores contra a democracia e contra o STF, como chamou o ex-presidente Michel Temer para salvá-lo. E sabem por quê?: o ministro Alexandre de Moraes está no supremo por indicação de Temer em 2017. Enfim, Bolsonaro não só recuou; ele abandonou o ‘personagem’ – criado por ele nas eleições de 2018 – que agora o levaria ao suicídio eleitoral.