Coronavírus: médico alerta para falta de medicamentos, profissionais e leitos

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Em artigo, o médico intensivista Marlus Muri Thompson descreve a realidade da estrutura do sistema de saúde no sul do estado neste período da pandemia do novo coronavírus e, principalmente, a importância do protagonismo de cada cidadão no combate à doença.

Confira abaixo o artigo de Marlus:

 

Seja um protagonista da vida!

A crise mundial provocada pela pandemia do Coronavírus com a COVID-19 tem assolado o planeta, com graves consequências primeiramente no campo da saúde, seja diretamente na saúde física provocando muitas mortes e internações pela doença, ou menos letalmente no campo psicológico, produzindo em alguns medo e grande desespero. Somado a isso os gigantescos impactos econômicos facilmente notados em toda parte.

Mas existe um aspecto muito menos visível, perceptível, mas não menos cruel dessa doença. A sua face reveladora! A COVID-19 vem revelando quem de fato nós somos!

A cada dia que passa mais eu tenho percebido o quão reveladora essa doença é, na medida em que ela vai escancarando muito claramente quem somos como indivíduos, cidadãos e também como povo, como país. Corajosos ou covardes; equilibrados ou desesperados; conscientes ou irresponsáveis; ativos no exercício da própria missão social ou meros murmuradores!

Na terra Brasil essa face é ainda mais reveladora, e deixo aqui claro que é apenas minha opinião. Com grande tristeza noto que, apesar de sermos um povo com muitas virtudes, somos um país de “reclamadores ao vento” e não de protagonistas da própria vida. Desde o suposto grito libertador de Dom Pedro I, “Indepedência ou Morte”, passando por vários presidentes recentes em nossa história, repetimos e repetimos aquela velha mania de esperar um salvador, esperar por aquele que irá resolver todos os nossos problemas. Freud famoso psicanalista talvez tenha explicações bem convincentes para esse comportamento repetitivo, mas talvez duras de serem ouvidas por ouvidos poucos preparados.

E assim nesse momento da COVID-19 seguimos como expectadores da vida! Não como protagonistas dela, ou para ficar mais claro, como agentes de mudanças no meio social em que vivemos. Como povo, como cidadãos estamos acostumamos a desde cedo a aguardar que alguém lute as nossas lutas; ou ainda que alguém faça para nós aquilo que desejamos, sem que para isso seja necessário uma ação direta nossa na busca daquilo que desejamos. E permanecemos desse jeito, dia após dia, mesmo durante o agravamento da pandemia.

Frases do tipo: “o governo tem que abrir mais leitos de internação, mais leitos de UTI”; “o governo tem que liberar tal medicação C”; “tem que aumentar o isolamento social” (visão de alguns) ou “acabar com esse isolamento” (visão de outros); revelam sem sombra de dúvidas a nossa eterna busca pela solução vinda do outro. Não que essas frases tenham que ser ignoradas, ou que sejam totalmente erradas, muito pelo contrário há sim algo a ser feito por todas as esferas governamentais sim, sem dúvidas!

Mas e as ações individuais, do cidadão agente de mudança, onde elas estão?? Aquelas perguntas básicas que deveríamos fazer todo dia tipo: “o que eu posso fazer para ajudar mudar o panorama atual?”; “tenho alguma missão social a ser cumprida nesse momento??” tem andado esquecidas por muitos, talvez até nunca tenham sido sequer pensadas.

E é exatamente essa soma de irresponsabilidade social de todos nós, como povo, com os problemas de planejamento e execução de ações por parte dos nossos governantes, que nos trouxe a esse cenário desolador, com números crescentes de morte e doentes graves. Paro aqui para deixar bem claro que aqui falo de maneira genérica, sem especificar políticos ou regiões. Seria muito leviano da minha parte não reconhecer algumas boas práticas em determinadas regiões, mas o somatório geral como país é desolador.

Você cidadão que está por ler essa conclusão, ao final será convidado a fazer a sua própria reflexão. Falo a partir daqui agora mais especificamente aos moradores da região Sul do ES. O momento é crítico, o número de pacientes gravemente doentes e necessitando de UTI é muito grande e crescente. Um apressadinho “reclamador ao vento” talvez comece a pensar: “basta o governo tal, federal ou estadual, abrir mais leitos de UTI”.

Acorde meu caro, não seja tão simplista e facilmente suscetível ao engano. Por mais esforço que qualquer governante faça, inclusive creio que muitos irão ou estão fazendo um enorme esforço para ampliar a sua rede de leitos de UTI, essa sua solução desejada “abrir mais leitos de UTI” é muito mais complexa e difícil do que se imagina. Isso porque, ao contrário dos ventiladores (“respiradores artificiais” como costuma-se dizer) ou de qualquer outro equipamento que possa ser adquirido com o bom uso do dinheiro público, existe uma “mercadoria” ainda mais falta no mercado do que esses equipamentos citados, que é o profissional treinado e habilitado para trabalhar em UTI. É por isso que vemos diariamente na TV uma enormidade de denúncias de mau atendimento, de falta de estrutura, equipamento, equipe treinadas em muitos desses “leitos novos de UTI”, “hospitais de campanha” ou coisas do tipo. Isso é percebido geralmente em alguns locais feitos por políticos inescrupulosos para dar aquela maquiada no cenário e deixar o povo feliz.

A verdade mundial até, mas nesse momento aplicada ao Sul do ES é: NÃO HÁ PROFISSIONAIS HABILITADOS PARA TRABALHAR EM UTIs EM NÚMERO SUFICIENTE para as grandes ampliações de leitos que possam ser necessárias. São poucos os médicos intensivistas titulados e bem treinados para liderar, lá dentro do campo de batalha e não a distancia numa cadeira confortável, o combate à COVID-19 na sua forma grave que necessite de UTI e ventilação mecânica. E essa falta não se restringe somente aos médicos líderes das equipes, passa por todos! Faltam médicos bem treinados ao trabalho em CTI, faltam enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem. Muitos pediram demissão por medo ou se recusam a enfrentar a doença. Esforços têm sido feitos para treinamentos rápidos e aumento da qualificação de pessoas, mas a verdade é que formar pessoas bem treinadas para combater uma doença grave dessas demanda muito tempo. E tempo é tudo que não temos agora.

E além da falta de tempo para treinar BEM essas pessoas, vivemos a terrível ameaça de falta de materiais e medicamentos. Saiba você cidadão que eventualmente ler isso, que em todo o estado do Espírito Santo a escassez de medicamentos para UTI começa a alarmar, tanto hospitais privados, como públicos ou filantrópicos. Isso porque simplesmente não há quase onde se comprar. O estoque dos próprios fabricantes de muitas medicações fundamentais em UTI simplesmente acabou e o consumo foi imensa e rapidamente superior à capacidade de produção instalada das fábricas.

E como provoquei há alguns parágrafos atrás, agora é com você. Há escassez de leitos de UTI, de profissionais qualificados, de materiais e medicações. O número de pacientes graves cresceu e te afirmo, os que atendi estavam especificamente muitos graves.

E aí cidadão sulcapixaba, o que VOCÊ vai fazer diante disso? Eu não posso e nem pretendo responder isso para você mas, deixo a minha humilde sugestão: seja um protagonista da vida.

Eu há muito decidi ser um protagonista da vida. Com minhas pequenas ações já fui agente de mudanças no meio em que eu vivo, seja na vida dos médicos residentes que ajudei a formar, seja contribuindo para a melhora da UTI do hospital que trabalho ou seja ainda somente como um cidadão honesto e pai de família. Agora como médico intensivista, fui convocado e escalado ao combate à COVID-19. Focado nessa missão vou, não somente lidar diariamente com os pacientes mais graves dentro de UTI, mas tentar também trazer luz e informações à comunidade onde estou inserido.

E que Deus nos abençoe.

Marlus Muri Thompson
CRM/ES 6332
Médico Intensivista, coordenador do CTI do Heci e CTI Santa Helena de Itapemirim

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