Por Gabriela Fonseca
Muitas pessoas se questionam sobre a verdadeira natureza de atitudes como pequenos furtos, delitos ou outras formas de comportamento imoral. Afinal, o que leva alguém a ultrapassar os limites da legalidade e da ética? Essa pergunta é tão antiga quanto a própria civilização e, sob a ótica da Psicologia e das ciências humanas em geral, não há uma única resposta possível. A explicação para o crime envolve uma análise complexa e multifatorial: social, subjetiva, anacrônica, econômica, antropológica, religiosa, ambiental e até simbólica. Reduzir o crime a uma só causa seria ignorar sua profundidade.
Jacques Lacan, um dos maiores nomes da psicanálise do século XX, dizia: “Não há nada mais humano do que o crime.” A frase, embora provocativa, convida a uma reflexão profunda: o crime é uma expressão da condição humana, de seus desejos, frustrações e limites. Para Lacan, o sujeito humano é estruturado pela linguagem, e o crime, nesse contexto, pode ser visto como um ato simbólico de resistência, desejo ou falta de significação — aquilo que o sujeito não consegue simbolizar, ele age.
O crime como produto da cultura e da linguagem
Dentro dessa perspectiva, o crime não é apenas uma infração à lei, mas uma forma de transgressão que, paradoxalmente, reafirma a própria existência da lei. É como se cada norma carregasse consigo a sombra de sua possível violação. Freud, em “O mal-estar na civilização”, já apontava que a repressão dos impulsos humanos é condição para a vida em sociedade, mas essa repressão também gera sofrimento, agressividade e, muitas vezes, comportamentos desviantes.
O desejo de transgredir pode, portanto, ser compreendido como parte da constituição subjetiva. Em ambientes marcados por repressão ou desigualdade extrema, esse desejo pode se intensificar, convertendo-se em atos criminosos.
A desigualdade como combustível do crime
Diversas pesquisas comprovam a forte correlação entre desigualdade social e criminalidade. Segundo o Atlas da Violência 2023, produzido pelo IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, regiões com maiores índices de desigualdade (medidos pelo Índice de Gini) tendem a apresentar taxas significativamente mais altas de homicídios e outros crimes. O sociólogo Émile Durkheim já destacava que a anomia — a ausência ou fragilidade de normas sociais claras — favorece comportamentos desviantes, especialmente quando os indivíduos não conseguem atingir os objetivos sociais por meios legítimos.
Nesse sentido, o crime pode ser uma forma de buscar reconhecimento, poder ou sobrevivência, especialmente em contextos de exclusão social. É o que o criminólogo Robert Merton chamou de inovação, uma das respostas ao desequilíbrio entre metas culturais e meios legítimos de alcançá-las.
O impacto do meio e da identidade social
A influência do ambiente é outro fator fundamental. Crianças e adolescentes criados em contextos violentos ou em comunidades onde o crime é normalizado podem desenvolver crenças que justifiquem e reforcem esses comportamentos. O modelo de aprendizado social de Albert Bandura explica como a observação de comportamentos criminosos pode levar à sua repetição, especialmente quando essas ações são vistas como eficazes ou recompensadas.
Além disso, em grupos sociais ou subculturas que promovem a criminalidade como forma de identidade ou pertencimento, há uma pressão simbólica por adesão. A necessidade de aceitação pode, portanto, ser um vetor importante para o envolvimento com delitos — especialmente em juventudes marcadas pela exclusão e vulnerabilidade.
A saúde mental como fator de risco e de invisibilidade
Não se pode ignorar também a relação entre crime e saúde mental. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que pessoas com transtornos mentais graves, como esquizofrenia ou transtorno de personalidade antissocial, podem estar mais vulneráveis à prática de crimes — não necessariamente por serem violentas, mas pela falta de suporte, tratamento e acolhimento social. Ao mesmo tempo, a própria prisão e o sistema penal frequentemente agravam essas condições, criando um ciclo de exclusão e reincidência.
O fascínio pela transgressão
Por fim, há um aspecto mais subjetivo e existencial: o fascínio pela transgressão. Em alguns casos, o crime não é motivado por necessidade, mas por desejo — desejo de romper com as normas, desafiar o sistema, experimentar o poder de destruir ou desobedecer. Isso pode ser visto em crimes de colarinho branco, vandalismo ou atos impulsivos que não visam lucro, mas prazer ou alívio psíquico.