Apesar de avanços significativos na última década com relação à transparência em governos, os estados brasileiros ainda não disponibilizam informações relevantes sobre o perfil das pessoas que ocupam cargos no setor público, incluindo as que estão em posição de liderança e que são responsáveis por planejar, executar e avaliar políticas que aprimoram a entrega de serviços públicos para a população.
Para se ter ideia, nenhum estado brasileiro apresenta dados sobre a raça das pessoas que atuam no setor público e apenas o estado do Paraná disponibiliza informações desagregadas sobre gênero. Isso significa, por exemplo, que mesmo que um estado traga o percentual geral de mulheres ou pessoas negras que atuam no serviço público, não é possível saber onde elas estão alocadas.
É o que mostra o levantamento inédito “Conhecendo as lideranças públicas: desafios e oportunidades para ampliação da transparência de dados”, elaborado por pesquisadores da FGV CPDOC a pedido da Fundação Lemann e do Movimento Pessoas à Frente. O mapeamento foi realizado entre agosto e dezembro de 2022 e considerou legislações e informações disponibilizadas nos portais de transparência de todos os governos estaduais do país.
Os pesquisadores elaboraram um quadro que indica as principais informações e as razões pelas quais elas são necessárias para aprimorar as plataformas de transparência e contribuir para a melhoria do Estado brasileiro, conforme abaixo:
Informações de interesse sobre lideranças no setor público | ||
Informação | Por que é importante? | Literatura acadêmica |
Nome do cargo, atribuições e órgão de exercício | Para que lideranças e cidadãos saibam quais são as habilidades e competências necessárias para ocupar aquela posição, aumentando a assertividade na contratação de pessoas certas para essas posições estratégicas | Bersch et al. (2017)
Lewis (2008) Lewis & Waterman (2013) Panizza, Peters & Larraburu(2022) |
Data de início no cargo | Para o mapeamento da rotatividade das lideranças públicas, fator que possui implicações para o tipo e qualidade de políticas públicas, uma vez que é necessário um horizonte temporal adequada para discutir, desenhar e implementar ações e programas | Lopez, Palotti & Gomide (2023)
Teles & Lopez (2023) Praça, Freitas & Hoepers (2012) Lopez & Moreira (2022) |
Remuneração | Para compreender a adequação da remuneração previstas em relação às responsabilidades estabelecidas, bem como os tipos (e graus) de corrupção em uma organização pública | Cornell & Sundell (2020)
Gorodnichenko & Peter (2007) |
Escolaridade | Analisar a qualificação formal dos dirigentes públicos, contribuindo para diagnosticar o grau de expertise que a organização dispõe para formular e implementar políticas públicas, o que possibilita a identificação de oportunidades de desenvolvimento para as lideranças | Marenco & Strohschoen (2018) |
Gênero e Raça | Para monitorar e avaliar os impactos da representatividade (ou a fala dela) nas políticas públicas e as desigualdades existentes na ocupação de cargos públicos, bem como formular políticas específicas de promoção da diversidade | Mosher (1968)
Viana & Tokarski (2019) |
Há outras informações que também são importantes para entender o perfil e trajetória das lideranças no setor público. Fatores como faixa etária e experiência profissional, por exemplo, podem impactar diretamente a efetividade da liderança, a propensão ao compartilhamento de conhecimento e os resultados em termos de desempenho organizacional.
O levantamento revela que nenhuma unidade federativa do país divulga nos seus portais de transparência informações sobre a escolaridade das pessoas que trabalham no serviço público e as únicas informações comuns a todos são o nome do cargo, o órgão ao qual está vinculado e a remuneração.
Outro achado relevante é que apenas oito estados (AP, DF, ES, PB, PR, RS, SC e SE) trazem a informação sobre quanto tempo a pessoa está no cargo. Esse dado permite que, nesses estados, seja possível analisar, por exemplo, o grau de rotatividade das lideranças públicas, variável essencial para entender os resultados governamentais.
“Importa saber quais e quantas são as pessoas que ocupam posições no setor público, além de conhecer o perfil de quem os ocupa: raça, gênero, faixa etária e escolaridade. Essas informações são fundamentais tanto para identificar as desigualdades existentes, inclusive nas posições de liderança, quanto para desenhar e implementar um quadro de direção profissionalizado e diverso. Isso contribui para a entrega de serviços e políticas públicas de qualidade para os cidadãos”, diz Jessika Moreira, especialista em gestão pública e integrante do Movimento Pessoas à Frente.
Pesquisa evidencia desafio de saber quem são as lideranças que atuam nos governos
Apesar de ser uma informação bastante relevante para a gestão de pessoas no setor público, atualmente não é trivial saber quantas pessoas estão em cargos de liderança nos governos estaduais. Ao longo da coleta de informações e análise dos dados, os pesquisadores identificaram desafios para comparar as informações entre as unidades federativas do país, dificultando a criação de um mapa sobre os cargos de lideranças nos governos. Para ter um retrato possível do número de lideranças no setor público, a pesquisa analisou uma amostra de secretarias estaduais, focando nas áreas de Educação, Saúde e Gestão. Com esse recorte, foram identificadas 7.250 pessoas em cargos de liderança em 2022 em todos os estados e no Distrito Federal.
Resultado do mapeamento de cargos de liderança nos estados brasileiros nas pastas de Educação, Saúde e Gestão
“Há um longo caminho para termos mais e melhores dados sobre as lideranças no setor público, especialmente em estados e municípios. Por isso, destacamos a importância de ter ferramentas nacionais para a coleta e divulgação periódica de dados sobre o serviço público subnacional, que ampliaria a capacidade coletiva de formulação e implementação de melhores políticas de gestão de pessoas, sobretudo de lideranças”, explica Matheus Nunes, coordenador de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann.
Sobre o Movimento Pessoas à Frente
O Movimento Pessoas à Frente é suprapartidário, e busca construir coletivamente diretrizes e evidências com objetivo de contribuir para uma gestão mais efetiva do Estado brasileiro, que entregue melhores serviços e políticas públicas para a população. Além disso, o Movimento ajuda a construir e viabilizar propostas que criem melhores condições de trabalho para gestores públicos, com foco em lideranças. O Movimento é mantido pela Parceria Vamos, formada por Fundação Lemann, Instituto Humanize e República.org. e conta com especialistas, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor com visões políticas, sociais e econômicas plurais.