“A população mista do Brasil deverá ter pois, no intervalo de um século, um aspecto bem diferente do atual. As correntes de imigração europeia, aumentando a cada dia mais o elemento branco desta população, acabarão, depois de certo tempo, por sufocar os elementos nos quais poderia persistir ainda alguns traços do negro.” – antropólogo e médico carioca João Baptista de Lacerda (Campos dos Goytacazes, 12 de julho de 1846 — Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1915)
Deixei para escrever sobre a Consciência Negra no último dia do mês escolhido para a celebração e lembrança do tema. O fiz, com base na questão temporal, para acrescentar que poderia fazer no último dia do ano ou no primeiro ou em qualquer outra data. A consciência em questão é permanente e a resistência fortalecida sistematicamente.
Há plena consciência de que a descendência vem da nobreza de principados e reinados; não da escravidão. Esse período desumano sustentou o poder econômico e originou o racismo estrutural no Brasil. Não há descendentes de escravos por aqui; existem pessoas que descendem de ser humanos que foram escravizados.
Não falta consciência de que tenho alma, mesmo que o contrário tenha ecoado por séculos através da boca daqueles que se diziam representar Deus na terra, mas precisava usar o Nome em vão para manter as benesses junto ao poder.
Tenho consciência de que um negro não tem preconceito contra o outro – somos há um bom tempo da mesma terra e falamos a mesma língua; nenhum ‘conflito’ tribal ou territorial vigora.
A consciência é plena que, após assassinar negros nas travessias pelo oceano, nas covardias diárias no trabalho escravo (homens, mulher e crianças), ainda tentaram pôr fim à nossa cor com a tese do branqueamento. Não foge da mente que, para muitos, ainda existe raça inferior diante de outras; reinam os escravagistas – os ‘homens de bem’ da época, que inspiram os acéfalos de agora.
No Rastafari, ensina-se a devolver o ódio com amor. E assim, é. Porém, também há no peito o rugir de uma pantera negra que não se acua e o punho cerrado antirascista sempre disposto a tratar crime como crime, recorrendo às leis de igualdade que continuam nascendo para combater a ignorância.
Não falta consciência do nosso papel na construção do Brasil e na caracterização dos costumes do povo local. Não nos são indiferentes as leis criadas após a abolição para nos aprisionar; assim como a segregação ‘paisana’ que, por agora, moribunda frente à nossa resistência. A nossa história há de vigorar diferente das ‘estórias’ contadas nas escolas.
Mesmo que tenham pintado de branco a nossa imagem e semelhança continuamos lindos, fortes e diversificadamente abençoados. Se você samba, aplaude o negro; se curte Jazz e Blues, aplaude o negro; se resiste às dores e injustiças, aplaude o negro; se é brasileiro, você também é negro – assim como Vinícius de Moraes, “o branco mais preto do Brasil”. A Consciência é e sempre será Negra! Sarará, crioulo!